Mundo Metal [ Live Review ]
Falar do Violator é algo bem complexo. Pense numa banda que consegue ser amada e odiada com a mesma proporção. Formada em Brasília (DF) no início dos anos 2000, período que foi marcado pelo ressurgimento com força total do Thrash Metal, a banda rapidamente se consolidou com uma das mais queridas da safra atual do estilo graças a seus dois álbuns, "Chemical Assault" (2006) e "Scenarios of Brutality" (2013), bem como os EPs "Violent Mosh" (2004) e "Annihilation Process" (2010), angariando gradativamente uma legião de fãs.
Jamais escondendo suas crenças e ideias e sempre se posicionando politicamente contra as mazelas que atormentam as minorias diariamente, o grupo também passou a ser alvo de árduas críticas, principalmente após o episódio em que publicaram uma foto em sua página oficial do Facebook trazendo o vocalista/baixista "Poney Ret" mostrando o dedo do meio durante uma das apresentações da banda com a legenda "Foda-se Jair Messias Bolsonaro!". Creio que essa frase totalmente "carinhosa" é autoexplicativa e dispensa muita dissertação. A repercussão nas redes sociais foi enorme e até hoje é enxergada de uma forma controversa por muitos, que alegam que os músicos são militantes e que apenas fazem esse tipo de coisa para chamar atenção.
Particularmente, discordo desse pensamento. Como sempre digo, uma boa parcela de bandas e gêneros musicais que flertam com o Hardcore/Punk sempre se manifestaram abertamente em causas políticas e sociais, inclusive tecendo severas críticas a diversas figuras políticas também, principalmente dentro do Thrash, uma das vertentes mais contestadoras do Metal. Assim que o Violator anunciou uma única apresentação em São Paulo, no Sesc Belenzinho, diversos fãs correram para garantir os ingressos do show.
Promovendo o seu mais recente lançamento, o EP "The Hidden Face of Death", lançado no fim de 2017, o show do quarteto contou não apenas com as músicas inéditas e matadoras que compõem esse pequeno registro, como muitas composições já consideradas clássicas da banda, incluindo pauladas que os músicos não tocavam há algum tempo, para a surpresa e felicidade de todos. Infelizmente, a essa altura do campeonato, todos já sabem que o guitarrista Capaça vai se mudar para a Irlanda e por esse motivo, a banda vai entrar num hiato por tempo indeterminado. Uma notícia bastante triste para todos os fãs e que certamente motivou muitos a comparecerem em peso a esse evento estupidamente caótico, insano e totalmente energético que rolou nesse último sábado (20).
A abertura do Sesc Belenzinho ocorreu às 19h30 e nesse horário, era possível ver o quarteto brasiliense fazendo a passagem de som antes da destruição em si começar algumas horas depois. Aos poucos, o local foi enchendo e 21h30 em ponto, ovacionados por todos os presentes, Pedro "Poney Ret" Arcanjo (vocal/guitarra), Pedro “Capaça” Augusto Dias (guitarra), Marcio Cambito (guitarra) e o integrante com o melhor apelido possível, David "Batera" Araya (bateria), sobem ao palco e dão início a um espetáculo de devastação sonora quase indescritível. Literalmente, é hora da violação começar!
Quando ecoam os arranjos da introdução de "Infernal Rise" – música de abertura do novo EP "The Hidden Face of Death e também a composição que iniciou esse show – a sensação que se teve é como se estivéssemos assistindo a uma ode ao hino "Hell Awaits" (Slayer), devido ao seu andamento inicial fúnebre, cadenciado e altamente atmosférico. O público urrava e agitava no mesmo ritmo do som, algo que sempre faz toda diferença numa performance desse tipo.
Havia uma faixa de segurança próximo ao palco e levando em consideração o tipo de público que existe no Thrash, especialmente se tratando de uma banda como o Violator, nem preciso dizer que a mesma veio abaixo em questão de segundos após a apresentação começar, não é mesmo? E isso foi apenas o começo do ataque impetuoso de Poney e cia. Assim que a introdução instrumental se encerra, Poney faz uma breve saudação e induz todos a se matarem impiedosamente no moshpit e nos stage dives. Quem já viu ao menos uma vez a banda em ação tem uma boa noção do poder de fogo que esses caras possuem e nessa noite, não foi nem um pouco diferente. Tivemos uma legítima aula de Old School Thrash Metal!
Logo após tocarem a primeira pedrada do set, Poney interage novamente com o público, saudando mais uma vez cada um dos presentes. Então, ele emenda dizendo que "O círculo dos tiranos continua a girar e a girar e agirar...". Eis que somos golpeados com requintes de crueldade por "Endless Tyrannies", de "Scenarios of Brutality", outro ataque sonoro cujos danos mal podem ser descritos, tamanha a crueza de suas notas. Apenas imagine o caos em sua mais pura forma. Na sequência, Poney menciona que a Veja publicou uma matéria sobre a banda, algo que jamais imaginou que poderia ocorrer um dia na carreira do grupo. O frontman também brinca com o fato do evento não ter contado com bandas de abertura e dá muita ênfase no complexo momento atual que o país vive, bem como sobre o Violator estar sempre ao lado dos gays, lésbicas e minorias oprimidas em geral, discurso sempre presente nas apresentações dos caras e que sempre incomoda a muitos, como estamos saturados de saber.
Sem perder tempo, Poney anuncia "Respect Existence or Expect Resistance", outro som de "Scenarios of Brutality", que por sinal reflete exatamente o que foi dito no discurso que a antecedeu. Esse som é violentamente emendado com uma duplinha igualmente moedora de ossos: a instrumental "Death Descends (Upon this World") do mesmo álbum e a obrigatória "Atomic Nightmare", do debut "Chemical Assault". O resultado da execução dessas músicas não poderia ser outro a não ser o mais agressivo possível. Imagine um rolo compressor obliterando cada centímetro da pista e do palco. Pois bem, agora imaginem isso 666x mais!
Um clima de suspense antecede a excruciante introdução de "Futurephobia", a única representante do EP "Annihilation Process" que foi tocada na noite. Como já era de se esperar, todos os presentes agitaram mais uma vez sem parar, cantando o refrão simples e direto a plenos pulmões. Novamente, temos uma breve pausa e Poney troca mais algumas palavras com os presentes, enfatizando que 2018 é um ano de luta para todos nós e claro, por se tratar de um ano marcado pelas eleições presidenciais e seus candidatos pra lá de controversos, pra não dizer corruptos, inescrupulosos... e até racistas, homofóbicos e afins – ops, eu já disse! – rolou um belo "Foda-se Jair Messias Bolsonaro!" em alto e bom som, sucedido por um coro em uníssono de todos: "Ei, Bolsonaro! Vai tomá no cu!" Esse momento do show é a deixa para a segunda faixa do último EP ser executada com potência total. Sim, falo a respeito de "False Messiah", que contou com uma performance avassaladora, com boa parte do público feminino promovendo ininterruptos stage dives, enquanto outra parcela dos fãs debulharam tudo no circle pit, fazendo a pista girar incessantemente e do modo mais colérico possível.
Por sinal, algo que sempre enche o orgulho do fã de Rock/Metal em apresentações como essas é justamente essa interação única e impagável entre a banda e seu público. É algo que simplesmente não tem preço e claro, ver todos os presentes se respeitando e agitando juntos, lado a lado, é sempre magnífico. São exatamente atitudes como essas que fazem da música pesada – seja ela o Metal, o Hardcore/Punk ou qualquer outra vertente igualmente intensa e visceral do Rock – ser o que ela é.
Antes de darem continuidade ao repertório, Poney pede para todos agitarem ao máximo, afinal esse seria o último show antes do hiato. Em seguida, é a vez da infecciosa "Toxic Death", outra representante de "Chemical Assault" dilacerar cada parte do Sesc Belenzinho. O moshpit rolava na pista como uma máquina de destruição em massa incontrolável, jamais parando e cada vez mais violento e mortal. E os stage dives? Cada vez mais loucos e incessantes, sem mencionar os fãs que subiram ao palco durante a performance de diversas músicas do set – inclusive nessa aqui – e cantaram alguns trechos ao lado de Poney.
"After Nuclear Devastation", a última faixa de "Chemical Assault", dá continuidade ao extermínio, nunca deixando qualquer um ficar indiferente. É hora de mais um pequeno intervalo e nesse momento, Poney ressalta mais uma vez que todos são bem-vindos em seus shows, sempre mencionando o quanto reforça isso nas apresentações da banda. Também fala a respeito da mudança do guitarrista Capaça, que se mudará para a Irlanda em breve e aproveita para dissertar sobre a conexão entre a banda e seu público, falando sobre como o Metal pode sim unir cada vez mais os seus fãs e proporcionar momentos como esse, terminando por agradecer mais uma vez a presença de todos. Evidentemente, o público aplaude e em seguida, o frontman anuncia que vão tocar uma música que está fora do repertório da banda há algum tempo. Contra a polícia, é a vez de "Let the Violation Begin", a primeira faixa do EP "Violent Mosh". O público foi ao delírio, afinal, trata-se de uma pedrada que não era tocada ao vivo há um bom tempo. Vale mencionar que ainda rolariam mais algumas surpresas bem agradáveis até o encerramento do show.
Nesse momento, Poney interage novamente com os fãs, explicando que pela primeira vez o Violator tocaria com três guitarristas e sem qualquer demora, recruta ao palco o guitarrista Felipe Nizuma (Braindeath, ex-Blasthrash), figurinha conhecida no meio urderground. Durante essa pausa, Poney também reconhece alguns amigos e parceiros do cenário da música pesada independente no meio da plateia, como Diego Nogueira (Anthares, Blasthrash) e aproveita para contar um relato insano e engraçado que ocorreu quando tinha cerca de 17 anos de idade, quando houve um tiroteio em um show do Blasthrash: "Fugimos oito pessoas num Voyage 81 do Dario, cara, com equipamento e tudo e fomos parar no Madame Satã!", culminando em risos por parte dos presentes.
Em seguida, ele diz que a próxima música do setlist também não era tocada ao vivo há muito tempo e era dedicada a todos e para aquele momento, em especial. "Os maníacos do Thrash!", o frontman grita ao microfone. E tome "Thrash Maniacs", mais uma pedrada clássica de "Violent Mosh", que surge rasgando tudo com seus riffs e levada atrozes. De fato, foi a música mais apropriada para aquele momento da apresentação. Os Thrashers de plantão não deixaram pedra sobre pedra. Outra dobradinha infernal vem a seguir: a avassaladora instrumental "Ordered to Thrash" e a matadora "Destined to Die" e claro, ambas mantiveram a chama da apresentação com a mesma intensidade. Impossível não entrar em um transe quase que psicótico quando todos gritam em uníssono "Thrash!" durante a "paradinha" mortal de "Ordered to Thrash" e mais difícil ainda é se conter com os riffs alucinantes de "Destined to Die", que por sinal, também contou com a participação especial do vocalista Thiago Nascimento (D.E.R., Urutu).
Infelizmente, o final da apresentação está próximo. Poney afirma que estão muito felizes de fazer esse encerramento e que o evento exalava uma sensação de missão cumprida e para a alegria de todos, é anunciado que tocarão outra desgraceira Old School que estava fora do repertório há algum tempo: "The Plague Never Dies", outra bordoada esmagadora de "Violent Mosh". Sou um tanto quanto suspeito pra falar dessa música, pois é uma de minhas favoritas da banda e nem tinha esperanças de vê-la ao vivo e até arregalei os olhos assim que ela foi anunciada. O que falar a respeito? Fomos presenteados com mais uma performance aniquiladora. O gran finale não poderia deixar de ser o hino "UxFxTx (United for Thrash)", que como de costume, levou metade dos fãs para o palco durante sua estupenda execução, finalizando a apresentação da forma mais apoteótica possível.
Por fim, ainda me faltam palavras para descrever a destruição que ocorreu nesse último sábado. De forma simples, clara e direta, foi uma apresentação totalmente irrepreensível, intensa e insana do início ao fim. Ao término do show, Poney ainda desceu do palco e foi muito atencioso com os fãs, como sempre, tirando fotos e interagindo com todos sem exceção, sem nenhum estrelismo típico de tantas bandas e artistas que vemos por aí. Aliás, muitas bandas do meio deveriam aprender com eles, diga-se de passagem!
Já mencionei isso diversas vezes e repito: o Violator é uma daquelas bandas que passei a admirar e respeitar mais e mais com o tempo, não apenas por produzirem um som veloz e intenso de qualidade, mas principalmente pelo fato de serem caras realmente muito legais, algo que faz total diferença. Pra finalizar, é uma pena que esse tenha sido o último show do grupo por conta do hiato, pois certamente vão deixar saudades. Ao menos na data de ontem (21) ainda tivemos mais um pouco de destruição no show gratuito e improvisado de última hora na Avenida Paulista. Para os interessados, em breve providenciarei outra resenha especialmente para essa apresentação, portanto, fiquem atentos!
UxFxTx!
Integrantes:
Pedro "Poney Ret" Arcanjo (vocal/guitarra)
Pedro “Capaça” Augusto Dias (guitarra)
Marcio Cambito (guitarra)
David “Batera” Araya (bateria)
Músicos convidados:
Felipe Nizuma (guitarra em "Thrash Maniacs")
Thiago Nascimento (vocal em "Destined to Die")
Setlist:
1. Infernal Rise
2. Endless Tyrannies
3. Respect Existence or Expect Resistance
4. Death Descends (Upon This World)
5. Atomic Nightmare
6. Futurephobia
7. False Messiah
8. Toxic Death
9. After Nuclear Devastation
10. Let the Violation Begin
11. Thrash Maniacs
12. Ordered to Thrash
13. Destined to Die
14. The Plague Never Dies
15. UxFxTx (United for Thrash)
Redigido por David "Fanfarrão" Torres