Violator - Ao vivo na Avenida Paulista

Mundo Metal [ Live Review ]



Imaginem a seguinte situação: você acaba de chegar em casa, exausto e completamente destruído após uma tremendo show de Thrash, liga o computador, acessa o seu Facebook... e descobre que a banda que você acabou de assistir decidiu fazer – aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo – uma apresentação gratuita às 09h da manhã. PxQxPx! Pois bem, foi exatamente isso que ocorreu comigo, meus caros amigos, e certamente não fui o único a ser surpreendido dessa maneira.

Após realizarem uma apresentação absolutamente monstruosa e irrepreensível no Sesc Belenzinho no último sábado (20), os Thrashers brasilienses do Violator proporcionaram um segundo round para os seus apreciadores no dia seguinte. De acordo com o guitarrista Capaça, como muitos fãs não conseguiram garantir ingresso para comparecer ao show do Sesc, optaram por fazer essa "brincadeira" de última hora e, sem dúvida alguma, foi uma atitude muito louvável e extremamente bem-vinda. Quem não pôde comparecer ao show anterior conseguiu ter uma nova uma oportunidade de assistir a banda antes do hiato e alguns fãs que haviam comparecido na apresentação de sábado puderam ter mais um "gostinho" da violência sonora dos caras.

É pouco mais de 09h da manhã e um grupinho de fãs se aglomera em volta da banda. O sempre carismático vocalista e baixista Poney faz uma breve saudação: "Bom dia, Av. Paulista!". Saudação essa no tom mais irônico e bem-humorado possível, afinal, os caras estavam simplesmente prestes a obliterar o asfalto, a calçada e tudo ao seu redor com seu repertório altamente infeccioso, cortesia do mais insano e visceral Thrash Metal com pegada oitentista... Em plena manhã de domingo! Não é todo dia que temos o privilégio de testemunhar tamanha desgraça – no melhor sentido da palavra, oras!

"Infernal Rise", a faixa de abertura do último trabalho produzido pela banda, o EP "The Hidden Face of Death" (2017) inicia a curta, porém ótima apresentação. As notas da composição agridem brutalmente o ambiente, como uma onda de resíduos altamente tóxicos em contato com alguma superfície. Após o encerramento desse som, Poney fala que estão tocando no palco das maiores manifestações da Patolândia, mencionando até o prefeito de São Paulo, João Dória. O músico não perde a oportunidade de chamar Dória de "coxinha de camisa de grife", provocando risos em todos.

Essa troca de palavras para o público é a ponte perfeita para o quarteto executar uma música que retrata precisamente o infame círculo interminável dos tiranos: "Endless Tyrannies", do último álbum da banda, "Scenarios of Brutality" (2013). É importante mencionar que, a princípio, muitos dos presentes demonstravam sinal de cansaço, inclusive a própria banda, afinal, a performance na Paulista foi uma ideia muito repentina. Os músicos e os fãs que haviam comparecido ao Sesc na noite anterior estavam visivelmente cansados e aqueles que não haviam ido ao show de sábado também, muito provavelmente pelo fato de ser uma manhã de domingo e um show marcado de última hora. Apesar disso, tanto a banda como os presentes foram se animando mais e mais no decorrer da apresentação e isso foi perceptível nesse segundo som que tocaram.

Depois, temos outro discurso de Poney a respeito da solidariedade e contra o fascismo. "Que isso espalhe cada vez mais a nossa solidariedade e não deixe esse fascismo diário dessa classe média terrível que a gente tem no Brasil dominar, sacou? Nós somos bem mais do que isso, essa 'coxinhada' aí, velho. Nós somos bem mais!", diz o músico. Ele explica que a próxima música que irão tocar fala a respeito da desocupação de Pinheirinho, que, diga-se de passagem, foi um acontecimento muito trágico ocorrido há seis anos.

Apenas para contextualizar, para que não se recorda, o episódio na qual Poney se refere ocorreu em 22 de janeiro de 2012, quando a Polícia Militar de São Paulo (PMSP) e a Guarda Civil Metropolitana (GCM) da cidade de São José dos Campos (SP) promoveram uma violenta invasão à ocupação que ficou conhecida como Pinheirinho. O motivo dessa invasão era exercer um mandato de reintegração de posse promulgada pela Justiça Estadual. Esse fatídico episódio ficou conhecido como o "Massacre do Pinheirinho", uma vez que as forças policiais se utilizaram de brutalidade desmedida para intimidar e desalojar os moradores. Como já era de se imaginar, os residentes recusaram sair do local, optando por resistir e provocando consequências devastadoras: famílias desabrigadas, pessoas gravemente feridas, encarceramentos e, de acordo com algumas fontes, até mortes. "Que aquela tragédia não se repita, que a gente esteja atento pra que não se repita.", finaliza Poney. E tome "Respect Existence or Expect Resistance", outra pedrada crua e diretíssima de "Scenarios of Brutality". A recepção do som? Muito positiva, com alguns dos presentes se aproximando mais da banda para poder cantar a letra da música com intensidade.

Nesse momento, ocorre uma situação um tanto engraçada. "Cuidado aí com o ônibus aí, cara! Não é perigoso não?", diz o frontman, assustado ao ver um ônibus passar muito perto de uma grade onde alguns fãs estavam. O músico agradece a todos novamente e continua: "A cidade é nossa mesmo, cara e a gente têm que usar como a gente quiser, é nossa...", finalizando com "A gente é criado pra ter medo de usar a cidade, pra ter medo da gente mesmo se expressar, né cara? A gente é criado com medo da Polícia e com medo... com medo muito razoável mesmo, eu acho..." – Todos caem na gargalhada nesse momento – "Mas enfim, é muito bom a gente poder tá aqui fazer as coisas e dizer 'Não cara, isso aqui é nosso também e a gente existe, tamo aqui, é isso aí'. Então, muito obrigado a todos vocês!", conclui ele, culminando numa salva de palmas geral.

O vocalista/baixista acrescenta que o guitarrista Capaça se mudará em três semanas e é realmente muito bom poder fazer essa despedida, ressaltando que jamais imaginou que tocariam na Avenida Paulista um dia. Nesse instante, Poney também agradece a Capaça por todo trabalho que o integrante fez pela banda e, obviamente, o público também responde, aplaudindo logo em seguida. Pra finalizar esse breve intervalo, é claro, já emenda um "Foda-se Jair Messias Bolsonaro!", culminando em um "AEEEEE!!!!" proferido de forma uníssona por todos. Eis que é hora da singela canção em homenagem ao controverso candidato a presidência ser executada, da forma mais suja, crua e agressiva possível. "False Messiah",  anuncia Poney ao microfone e então, a música ecoa como uma manifestação violentíssima, encorpada e assustadoramente potente. Uma execução estupidamente impecável!

Assim que a música é encerrada, Poney anuncia que vão tocar o último som e é interrompido do modo mais brusca e hilária possível. "Eu acabei de chegar, caralho!", fala uma transeunte muito entusiasmada, que vestia um par de óculos que mais parecia um binóculo. Essa interrupção gera risos em todos, deixando o momento ainda mais descontraído tanto para os presentes como para a banda em si. Poney até brinca nesse momento "Pô, cara! Eu nem tinha notado que você não tinha chegado antes". Na realidade, ressalto que essa personagem havia parado para assistir a apresentação pouco depois da mesma ter se iniciado e já havia provocado risos em todos exatamente no momento em que chegou, diga-se de passagem, gritando algo como "Aeee! Rock'n'Roll!"

Sem perder tempo, Poney agradece a presença de cada um mais uma vez e novamente, é surpreendido por um improviso muito aleatório e inusitado do guitarrista Capaça, algo que arranca ainda mais risadas. O frontman menciona que o Violator completou 16 anos nesse ano e ressalta novamente a pausa que a banda fará, reforçando como o grupo sempre foi uma reunião de amigos feita por amigos, acreditando muito no jeito de produzir da forma mais simples e underground e como foi um prazer trabalhar com pessoas muito boas ao longo de todos esses anos e evidentemente, agradece mais uma vez a cada um dos fãs ali presentes, resultando em mais uma salva de palmas igualmente sincera de todos.

"Sem pagação de pau!", diz Poney, imitando hilariamente um dos bordões icônicos do igualmente carismático Alex Camargo, frontman da banda de Death Metal gaúcha Krisiun, deixando tudo ainda mais descontraído e divertido. E dá-lhe "Ordered to Thrash", instrumental arrasa-quarteirão do álbum de estreia do quarteto, o emblemático "Chemical Assault" (2006). que faz com que todos "bangueiem". Nem preciso dizer que quando chega o trecho do "Thrash!!!" todos berraram ao mesmo tempo, correto? Preciso sim, seus fanfarrões! Pense num coro polifônico altamente insano. Pra variar, os fãs pedem mais uma música e adivinhem? Rola mais um "Foda-se Jair Messias Bolsonaro", apenas para causar aquela discórdia marota, dessa vez acompanhado de um belo coro por parte de todos: "Ei, Bolsonaro! Vai tomá no cu!!!"

Agora, como dizem, a porra realmente ficou séria a seguir, quando o hino "UxFxTx (United for Thrash)" começou. De repente, um incendiário circle pit tomou conta da calçada, algo realmente insano. Detalhe importantíssimo: como já mencionei antes no texto, alguns dos fãs que estavam no circle pit –  incluindo quem vos escreve – já haviam agitado muito no show ocorrido na noite anterior, entretanto isso não impediu em nada da dose ser repetida com muito gosto. O resultado de toda essa onda de histeria e Thrash visceral foi uma performance arrasadora não apenas da banda ou do público, mas sim de todos. Realmente, nada mal para um show improvisado em plena manhã de domingo e ainda por cima após um show que já havia sido excruciante o suficiente.

Para encerrar com uma sangrenta chave de ouro, ainda tivemos outra pedrada do debut "Chemical Assault". "Enquanto alguns estão destinados a nascer, outros estão destinados a morrer." Sim, era hora de "Destined to Die" e claro, para não deixar a insanidade parar, Poney pede para todos abrirem o circle pit novamente. Posso ser bem honesto? Ele nem precisava ter pedido! A roda tomou conta da calçada mais uma vez, provavelmente ainda mais insana e caótica, se me permitem dizer. E da forma mais monstruosa e visceral possível a apresentação atingiu seu fim.

Mais uma vez, o Violator não apenas realizou uma apresentação impactante, como também mostrou novamente o motivo de possuir uma legião de admiradores bem fiéis. Após o encerramento da performance, ainda conversaram bastante com o fãs, tiraram fotos e tudo mais, como já era de se esperar. Infelizmente, o quarteto entrará em um hiato por tempo indeterminado e sabe-se lá quando retomarão as atividades. Vão deixar saudades! Uma coisa é certa: já deixaram sua marca cravada no cenário da música pesada independente, tanto pelas músicas como pela postura e atitude.

Por hora, não vejo outra forma de encerrar esse texto desejando boa sorte ao Capaça em sua empreitada profissional na Irlanda e claro, os meus mais sinceros agradecimentos ao Violator por sempre ter proporcionado um bom trabalho dentro do Thrash Metal brasileiro. Em tempo, quem sabe Poney e os membros remanescentes não montam algum projeto paralelo igualmente barulhento e caótico, não é mesmo? Seria demais!  Aliás, um retorno do Possuído Pelo Cão, então, seria simplesmente avassalador e claro, que o Violator retome as atividades o mais breve possível. Nós agradecemos muito desde já!

Mais alguma coisa? Mas é claro! UxFxTx!

Integrantes:

Pedro "Poney Ret" Arcanjo (vocal/guitarra)
Pedro “Capaça” Augusto Dias (guitarra)
Marcio Cambito (guitarra)
David “Batera” Araya (bateria)

Setlist:

1. Infernal Rise
2. Endless Tyrannies
3. Respect Existence or Expect Resistance
4. False Messiah
5. Ordered to Thrash
6. UxFxTx (United for Thrash)
7. Destined to Die

Redigido por David "Fanfarrão" Torres

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