Independente
Mundo Metal [ Lançamento ]
Quem é fã de música pesada em geral não pode se queixar do atual momento que vivemos. Digo isso pois estamos numa época onde esse estilo de música ganha cada vez mais representantes de muita qualidade – e peso, muito peso, diga-se de passagem. Seja em âmbito internacional ou aqui mesmo em solo brasileiro, diversas bandas surgem dia após dia, produzindo trabalhos incríveis, memoráveis e que não devem em absolutamente nada aos grandes feitos e obras primas dos gigantes do passado. Para os apreciadores de música extrema, então, é só alegria, visto que a quantidade de grupos com essa proposta surgindo em todos os arredores do globo é absurda. Tendo esse pensamento em mente, falarei agora sobre uma das bandas mais proeminentes do cenário do Grindcore nacional na atualidade: Desalmado!
Formado em meados de 2004, inicialmente sob o nome de El Fuego, o grupo executa um Grindcore com pitadas generosas de Death Metal na mesma escola de titãs como Napalm Death, Terrorizer, Venomous Concept e muitos outros. Até o presente momento, o Desalmado possui em sua discografia 2 EPs, "Hereditas" (2008) e "Estado Escravo" (2014), um split, "In Grind We Trust" (2016), além de dois álbuns de estúdio, o auto-intitulado "Desalmado" (2012) e seu mais recente trabalho, "Save Us from Ourselves", lançado no dia 06 desse mês.
Mantendo a mesma pegada crua, mortífera e Old School dos registros anteriores, o segundo álbum da banda é uma avalanche impetuosa. Possuindo uma atraente e impactante ilustração de capa, desenvolvida pelo vocalista e baixista Jeca Paul (Hell Bullet), que também foi responsável por elaborar a arte de capa do single "Mass Hysteria", da banda paranaense de Thrash Metal Blackened, "Save Us from Ourselves" traz um Desalmado ainda mais maduro e com sede por obliteração anti-musical. Trata-se de uma legítima compilação de nove hinos excruciantes da desgraceira em pouco mais de 25 minutos de duração, executados com uma precisão espantosa e invejável.
A ofensiva sonora tem início com "Privilege Walls", aquele típico arregaço que já conquista a atenção do ouvinte com seus riffs truculentos e mortais, cortesia do guitarrista Estevam Romera, além da linha de bateria brusca e arquitetada de modo inteligente por Ricardo Nutzman. Sua letra retrata problemas que ocorrem em nossa sociedade há muitos anos e jamais se cessam, como a intervenção maliciosa do Estado na vida das pessoas. A banda jamais guardou o seu posicionamento político para si e sempre promove altas bordoadas através de mensagens positivistas e revolucionárias. Nesse som, não é nem um pouco diferente, com o vocalista Caio Augusttus urrando sobre confrontar os opressores que assolam nossa sociedade e organizar rebeliões pela busca de grandes mudanças. "It’s Not Your Business", a segunda faixa, começa de modo sutilmente introspectivo, porém, antes que o ouvinte se dê conta, uma onda de destruição em massa incinera os alto-falantes com a rigidez de um rolo compressor. Em tempo, essa pedrada traz versos recheados de mensagens poderosas, onde a banda nos diz para mantermos nossas cabeças erguidas e jamais ficarmos em silêncio.
Um breve crescendo progressivo antecede a terceira composição desse material, a faixa título "Save Us from Ourselves". Combinando passagens cadenciadas – e até um tanto atmosféricas, em alguns breves momentos – com trechos vertiginosos onde as viradas de bateria e os blast beats comem soltos, espancando os nossos tímpanos como se fosse um martelo, é um dos grandes destaques do trabalho. Diga-se de passagem, os momentos mais lentos também enfatizam os grooves criados pela "cozinha", encabeçada pelo baixista Bruno Leandro e pelo baterista Ricardo Nutzmann. Sua letra aborda, como já aponta seu título, o fato de termos nos tornado vítimas de nós mesmos graças aos horrores que nos cercam diariamente, uma realidade muito triste e contundente. A composição em si completa totalmente a proposta da letra, possuindo uma vibração desesperadora e apocalíptica, em especial nos riffs mais arrastados e cadenciados. O riff introdutório e que se repete no refrão é simples e matador na mesma proporção, captando com perfeição o espírito carregado e desesperançoso da música.
A bateria dá o tom inicial de "Black Blood", outro hino sobre a luta contra os malfeitores inescrupulosos de nosso mundo que desejam nosso sangue e corpos submissos a seus intentos. Nela, a devastação prossegue com sucesso, é claro. As palhetadas são sujas e exatas, e as linhas de bateria jamais soam tocadas de modo preguiçoso. Há muita velocidade, mas também há espaço para variações, algo que proporciona um tempero especial. Um sopro fúnebre de guitarra nos prepara para mais um cataclismo: "Blessed by Money"! Logo após as primeiras e instigantes notas da composição cessarem, um novo terremoto de riffs e arranjos viscerais se inicia. Eis aqui outro destaque da obra, tanto pela sua letra, que retrata como o dinheiro se tornou praticamente uma divindade para o homem, como pelo desempenho da banda em transmitir a sua mensagem musicalmente. Há peso e velocidade de sobra, as ambientações caóticas também se destacam e as alterações rítmicas são construídas de modo estratégico.
Eis que entra em cena "Bridges to a New Dawn", composição que ganhou um videoclipe promocional. Essa também é a faixa mais longa do trabalho, contendo pouco mais de 04 minutos de duração e é certamente uma das melhores músicas do disco. Trata-se de um som mais cadenciado e viciante, mas também possui seus trechos mais insanos. Essa pedrada se inicia vagarosamente e os integrantes da banda se empenham muito, entregando uma performance irrepreensível. Sempre menciono que algo que me admiro muito Desalmado é o feeling que esses caras possuem para tocar Death/Grind. O quarteto sabe dosar bem as suas influências e conduz cada música com muita personalidade. Além de não soarem como uma mera cópia de bandas clássicas do estilo, possuem muita identidade e composições como essa deixam isso mais do que claro. Há um sentimento intenso de melancolia mesclado com ódio em suas notas e que expressa perfeitamente a mensagem que a letra do grupo deseja transmitir, onde temos a metáfora de "pontes para um novo amanhecer", representando o conflito de todos aqueles que batalham arduamente pelo que é seu por direito e pela justiça como um todo.
Impulsiva e totalmente ideal para o moshpit, "Corrosion" é tão direta quanto sua letra, jamais possuindo tempo para firulas e/ou frescuras desnecessárias. Com uma letra que retrata a opressão dos tiranos sobre as massas e como devemos enfrentá-los, a banda ainda possui espaço até para incluir uma espécie de referência a "Multinational Corporations" (Napalm Death), no verso "Paralisado pelo medo, governança das corporações/Regime fascista, genocídios de nações famintas". Possuindo um groove muito envolvente em sua abertura, "Binary Collapse" é, com toda certeza, outra de minhas favoritas do play. Abordando uma temática diferenciada, falando acerca das consequências drásticas de termos nossa privacidade e vida invadidas, por meio de metáforas, o grupo nos entrega o que eu posso chamar de "modelo perfeito de Grindcore", pois tudo é calculado e colocado em prática milimetricamente. Sonzeira daquelas!
Encerrando o álbum, temos "Exist and Resist". Por sinal, foi a escolha perfeita para encerrar esse registro, tanto pela sua temática como pela performance do quarteto em si, que nos brinda mais uma vez com um som recheado de notas viciantes e assombrosas. A luta das classes oprimidas contra os déspotas, corruptos e exploradores é novamente levantada pelo grupo. O discurso próximo ao encerramento da música é perfeito e forte como uma rocha, principalmente sua última linha:
"As nações sobreexplotadas, mantidas cautivas por um sistema de opressão e espoliação
Rebelde pelas mãos de seu povo, cansado e massacrado pelo flagelo do chicote.
Todos os trabalhadores do mundo, maiorias exploradas,
Mulheres, raças oprimidas, pessoas nativas, unem-se!
Chegou o momento em que a luta é necessária, enfrentando nossos atormentadores para despertar para um novo amanhecer,
Uma nova sociedade: livre, igualitária e para um mundo onde nosso destino está em nossas mãos!
Sem mestres, sem deuses, sem senhores escravos!"
A essa altura, não tem muito o que enrolar a respeito de um trabalho como esse. Dispondo de uma energia furiosa, peso volumoso e muita atitude tanto na sonoridade como em suas letras, "Save Us from Ourselves" é um lançamento que chama a atenção do fã da música extrema sem qualquer esforço e evidencia ainda mais o potencial do Desalmado, que soa cada vez mais profissional e maduro a cada dia. Um registro absolutamente indispensável para os ouvintes de Grindcore e sonoridades extremas! Para quem se interessar em conferir esse trabalho, disponibilizamos logo após o texto o link do bandcamp da banda onde é possível ouvir o álbum na íntegra
Nota: 9.0
Formação:
Caio Augusttus (vocal)
Estevam Romera (guitarra)
Bruno Leandro (baixo)
Ricardo Nutzmann (bateria)
Faixas:
1. Privilege Walls
2. It’s Not Your Business
3. Save Us from Ourselves
4. Black Blood
5. Blessed by Money
6. Bridges to a New Dawn
7. Corrosion
8. Binary Collapse
9. Exist and Resist
Redigido por David "Fanfarrão" Torres
Bandcamp: