Accept - "The Rise Of Chaos" (2017)

Nuclear Blast

Mundo Metal [ Lançamento ]



Se você tem o hábito de assistir os telejornais diários, se interessa pela política mundial, acompanha os conflitos internacionais e tem um mínimo de percepção, provavelmente deve estar assustado e convicto que o mundo está a beira de um colapso. São inúmeras crises, revoluções, guerras, jogadas políticas e pontos de tensão espalhados por todo o globo, nunca se falou tanto em uma possível terceira guerra e os principais líderes mundiais parecem não estar muito preocupados com nada disso. Muito pelo contrário, eles colaboram de forma velada e muitas vezes, poderíamos até jurar que de maneira intencional, para o tal "surgimento do caos".

Tudo vai de mal a pior e apesar do Heavy Metal ser apenas um gênero musical, o estilo sempre possuiu bandas politizadas e capazes de passar mensagens importantes através de suas letras. Com uma situação amedrontadora e extremamente desfavorável como a atual, não foi nenhuma surpresa o conteúdo lírico que o Accept escolheu para seu mais novo trabalho de estúdio. Wolf Hoffmann e Peter Baltes, os dois membros originais e principal núcleo criativo da banda, se concentraram em temas cabais e explicitaram com brilhantismo a desordem que arrebata a sociedade atual.  

"The Rise Of Chaos" nos traz dez composições forjadas no mais puro aço, sem invencionices ou novas fórmulas e é constituído de tudo aquilo que fez do quinteto alemão o que ele é hoje. Estão presentes os riffs assassinos, a cozinha segura, os vocais fortes, os backing vocals bem encaixados e os refrões que grudam instantaneamente no seu subconsciente. Se você é um fã da banda, sabe mais ou menos o que esperar e, caso seja um ouvinte de primeira viagem, este disco certamente irá lhe impressionar.

Este é o quarto registro após o retorno da banda em 2010 e o primeiro sem dois membros da formação clássica. O guitarrista Herman Frank e o baterista Stefan Schwarzmann foram substituídos pelo ex-Grave Digger Uwe Lulis e o novato Christopher Williams. O Accept aposta mais uma vez na sua fórmula manjada, porém funcional de sempre e, como em time que está ganhando não se meche, a sonoridade do novo disco é uma eventual continuação do que vinha sendo apresentado nos ótimos "Blood Of The Nations" (2010), "Stalingrad" (2012) e "Blind Rage" (2014). 

O álbum se incia com a candidata a clássico "Die By The Sword". Com ritmo furioso, riff marcante e os vocais frenéticos de Mark Tornillo, a canção é quase um ode ao final dos tempos. Em seus primeiros versos fica claro o rumo sombrio proposto: "O mundo que nos rodeia está congelado pelo terror/ O equilíbrio do poder é uma coisa do passado/ Qualquer traço humano foi abandonado/ Estamos apenas afogando as almas em um rio de sangue.". E isso não é tudo, pois a letra escrita por Wolf, antes de nos avisar que "se você vive pela espada, você irá morrer pela espada", ainda traz a verdade assustadora: "Perdemos toda a compaixão e amor/ Lançamos nossas almas no vazio".


"Hole In The Head" vem logo na sequência e traz à tona o problema da adicção. Certamente, a questão das drogas não poderia ficar de fora em um disco como este e, sob um ritmo cadenciado e com um refrão perturbador, a mensagem fica clara: "Você me seduziu como um vampiro/ Você é uma maldição para toda a humanidade/ Um beijo da morte auto-infligido/ como eu pude ser tão cego."

A energia do Heavy Metal sobrepuja a cadência e quando a faixa título aparece, ela chega acompanhada de uma explosão de riffs e linhas certeiras, o ritmo é empolgante e a previsão soa quase como um anúncio: "É o começo do fim/ É o surgimento do caos". Um dos grandes destaques do álbum.

Se a proposta é abordar os grandes males do mundo, é claro que a lavagem cerebral imposta pelas instituições religiosas sempre terá cadeira cativa. Em "Koolaid", temos mais uma composição candidata a clássico e através de um andamento altamente cativante (beirando o Hard Rock), o Accept nos conta a real história dos fiéis levados à morte pelo pregador Jim Jones no final dos anos 70. Este foi o maior suicídio em massa da história, com mais de 900 pessoas mortas por envenenamento. Todas foram convencidas a tomar uma espécie de elixir salvador que as levariam ao paraíso, mas que na prática apenas serviu para ceifar suas vidas. O recado dado é bem direto: "Não beba o Koolaid!", em outras palavras, não seja um rebanho, não aja feito um idiota manipulado.

"No Regrets" é uma das mais rápidas e pesadas do disco e devo ressaltar o trabalho da parte rítmica, principalmente do estreante Christopher Williams. A canção fala sobre viver intensamente e não se arrepender de atitudes ou escolhas tomadas, apenas seguir em frente sem olhar pra traz. Apesar de todo o caos implantado, é preciso ter esperança em dias melhores.

Passando da metade da audição, um tema "diferente" aparece na grudenta "Analog Man". A tecnologia é uma realidade no mundo atual e ao mesmo tempo em que estamos envoltos em termos como updates, downloads, streamings e etc, somos convidados a conhecer um cara que não se enquadra no meio de todo esse avanço. "Eu nasci em uma caverna/ Onde o estéreo era responsável por toda a raiva/ O vinil com oito faixas governava o mundo/ Agora há telas planas em 3D/ Meu smartphone é mais inteligente do que eu/ Não consigo continuar, meu cérebro está começando a ferver.". Na verdade, esta faixa é uma brincadeira de Wolf e a letra faz referência a Mark Tornillo, o "homem analógico preso em um mundo digital".


Após um belíssimo momento de irreverência em meio a tantos assuntos preocupantes, "What Is Done Is Done" chega pra retomar a sobriedade e nos avisar que não se pode voltar atrás, você precisa pensar bem no que vai fazer por que "o que está feito, está feito". Se a bala deixar a arma, ela vai atingir o alvo e isso não pode ser mudado, as consequências precisam ser enfrentadas. O refrão é um dos mais pegajosos do disco e o trabalho de guitarras realizado por Wolf e Uwe merece nota.

Nos aproximando do final, "Worlds Colliding" apresenta a batalha interna que todos nós travamos com nosso eu interior. O certo e o errado, o bem e o mal, o ético e o antiético, tudo acontecendo ao mesmo tempo e gritando dentro de você. Aqui somos apresentados aos nossos conflitos e o dever de tomar decisões que afetarão não apenas as nossas vidas, mas a de todos que nos rodeiam. A idéia central é mostrar que as nossas escolhas influenciam e contribuem para o caos instaurado no mundo e a reflexão sobre o tema ainda evidencia que esse caos vem, na verdade, de dentro de cada um de nós.

"Carry The Weight" é detentora de ótimas melodias e é uma canção pulsante, as linhas de guitarra se destacam e o refrão é daqueles que você escuta uma única vez e já sai cantarolando.  O tema central é a manipulação ao qual somos impostos, existem pessoas fazendo acordos, tomando decisões e decidindo o rumo de nossas vidas, você não pode carregar o peso do mundo nas suas costas, mas precisa acordar e enxergar o que realmente está acontecendo debaixo do seu nariz. "Mais aviões caem do céu/ Olhe ao seu redor, inundações e terremotos/ Grandes corporações recebem isenções fiscais/ O euro está em baixa e agora há o Brexit/ O mundo está quebrado e você não pode consertá-lo". É uma letra assustadora, porém muito lúcida e faz uma ponte perfeita para o momento derradeiro do disco.

O encerramento traz a faixa mais pesada do álbum e como o título "Race To Extinction" sugere, retrata a nossa caminhada a largos passos para a extinção. É claro que o registro nos remete a assuntos pra lá de preocupantes, porém o Accept faz questão de nos dizer que a batalha não está perdida: "Podemos mudar essa história/ Nos adaptar e nos comprometer/ O equilíbrio é nossa prioridade/ Abra seus olhos".

Para os menos realistas que esperavam um disco capaz de reinventar a roda ou revolucionar a forma como o estilo é tocado, provavelmente "The Rise Of Chaos" não deve passar de um trabalho comum. Já os ouvintes pés no chão, aqueles que tem convicção de que um "mais do mesmo" bem executado sempre é melhor do que qualquer invencionice nonsense, certamente compreenderão a proposta e irão absorver muito melhor o conteúdo apresentado pela banda. É também importante mencionar que em todas as oportunidades que o Accept tentou se arriscar e percorrer caminhos diferentes do habitual, foi alvo de muitas críticas, sendo assim, é quase uma loucura imaginar que depois de três registros elogiadíssimos e muito bem sucedidos, Wolf e cia pudessem tentar algo fora da sua zona de segurança. Não iriam.


Hoje, o Accept é uma banda veterana extremamente consciente e conhecedora de todos os seus limites, talvez este seja o seu maior trunfo. Tendo em vista que um arroz com feijão bem temperado e bem feito é sempre mais saboroso que um prato caro, requintado e que não te sustenta, espero que os alemães mantenham exatamente a mesma categoria e classe ao compor novos álbuns. A nova empreitada dos alemães é certamente mais um gol de placa anotado em 2017.

Nota: 8,8
*Nota do site The Metal Club: 7.63

Formação:

Mark Tornillo (vocal)
Wolf Hoffmann (guitarra)
Uwe Lulis (guitarra)
Peter Baltes (baixo)
Christopher Williams (bateria)

Faixas:

1. Die By the Sword
2. Hole in the Head
3. The Rise of Chaos
4. Koolaid
5. No Regrets
6. Analog Man
7. What’s Done Is Done
8. Worlds Colliding
9. Carry the Weight
10. Race to Extinction

Redigido por Fabio Reis

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