Dead Kennedys - "Fresh Fruit for Rotting Vegetables"

Mundo Metal [ Clássicos ]



37 anos não são 37 dias, não é mesmo? Lançado em 2 de setembro de 1980, via Cherry Red Records, "Fresh Fruit for Rotting Vegetables" é indiscutivelmente um dos discos mais importantes e emblemáticos do Hardcore/Punk mundial e também um dos mais aclamados dos veteranos do Dead Kennedys, um dos grupos pioneiros do Hardcore americano. Formado em São Francisco, Califórnia (EUA), no fim dos anos setenta, o grupo estadunidense se tornou mundialmente conhecido por suas letras ácidas e poderosas, geralmente de natureza política e social, que muitas vezes fazem menções e sátiras a figuras políticas tanto liberais como conservadoras, bem como autoridade em geral, cultura popular e assuntos do gênero. 

Marcante desde a primeira nota até sua marcante capa, - que mostra vários carros de polícia em chamas, uma fotografia que foi tirada durante os "White Nite Riots", em 21 de maio de 1979, data em que o ex-senador da cidade de São Francisco, Califórnia (EUA), assassinou o prefeito George Moscone e o supervisor Harvey Milk - , o álbum de estreia da banda é simplesmente uma obra prima completamente intensa e que certamente deixou todos os moldes para uma centena de bandas e álbuns que surgiram anos mais tarde. Como grande fã da banda e desse tremendo álbum, me senti na obrigação de dissecar, na medida do possível, esse registro amalucado e maravilhoso. 

A clássica "Kill the Poor" se encarrega de abrir a bolacha, com seu ritmo delirantemente animado e estravagante. De cara, até mesmo o ouvinte menos familiarizado com a sonoridade da banda passa a entender o motivo do grupo ser tão influente e aclamado. Os vocais de Jello Biafra são simplesmente únicos e captam toda a psicose irônica contida na letra dessa composição. Mais pesada e rápida, "Forward to Death" traz uma uma letra recheada de desprezo e ódio. Os riffs de East Bay Ray são grudentos e empolgantes, enquanto a "cozinha", encabeçada pelo baixista Klaus Flouride e pelo baterista Ted, é igualmente robusta.

Sem perder o pique, "When Ya Get Drafted" é outro petardo irresistível! Seu andamento transmite exatamente a ironia e o sarcasmo exigidos pela sua letra. O baixo se destaca, alto e pulsante e ainda há espaço para um inusitado e breve solo de guitarra. Pense num solo realmente curto, mas muito eficiente e hipnótico. É exatamente o que temos aqui. Cadenciada e trazendo uma notória influência de Surf Music e Rockabilly, "Let's Lynch the Landlord" contém uma pegada muito divertida e que funciona como o contraste ideal para a sua letra debochada.

Em seguida, os vocais de Biafra surgem metralhando e cuspindo palavras, introduzindo ao ouvinte a tresloucada "Drug Me". Certamente, outro grande momento do disco. Arranjos estranhos e desconcertantes se fundem aos lunáticos vocais, proporcionando uma experiência musical realmente única e assustadoramente viajante em todos os sentidos da palavra. Uma psicodelia insana, sem mais!"Your Emotions", pra variar, é outra pérola! Altamente energética e curtíssima, é uma faixa tão esquizofrênica e divertida como as anteriores, jamais deixando o ouvinte entediado.


Caracterizada por um andamento cadenciado, "Chemical Warfare" possui algumas variações inusitadas de andamento e ritmo, principalmente quando o seu refrão simples e de fácil assimilação - que apenas consiste na repetição do título da música - é cantado. Há um trecho ainda mais inusitado, próximo ao encerramento da composição. De repente, quando o ouvinte menos espera, temos a inserção de um sample de "Sobre Las Olas", do antigo compositor e violinista mexicano Juventino Rosas. Então, surge um trecho totalmente dissonante e alucinado e pouco após, o refrão é repetido pela última vez, finalizando a música de modo insano e perfeito.

Se iniciando de modo progressivo e instigante, "California Über Alles" ecoa pelos alto-falantes. Descrever essa composição beira a covardia, uma vez que estamos falando de simplesmente um dos maiores hinos não apenas do Dead Kennedys como do Hardcore/Punk, como um todo. A música foi originalmente escrita por Jello Biafra e John Greenway, para a banda de ambos, The Healers. Diga-se de passagem, esse foi um dos raros momentos onde Biafra compôs utilizando um baixo. O título que nomeia a composição é uma alusão ao primeiro verso do hino nacional da Alemanha, que se inicia com a frase "Deutschland, Deutschland über alles." - traduzindo para o português, "Alemanha, Alemanha sobre todos.". 

Por sua vez, a letra da música tece uma crítica direta ao governador da Califórnia, Jerry Brown. Ela simboliza uma canção imaginária de Brown sobre sua visão dos Estados Unidos da América. Nela, também há referências de Brown no papel de Grande Irmão, líder supremo descrito em "1984", obra distópica do autor inglês George Orwell. A narrativa da canção descreve o mesmo ano de 1984, quando Brown seria o "führer" dos EUA. Em poucas palavras, uma canção altamente energética, onde podemos destacar os tradicionais spoken words de Biafra, bem como as influências de Surf Music combinadas ao Hardcore/Punk com exímio. Obrigatória!

Resgatando a velocidade de faixas anteriores e mantendo o clima de ironia e sarcasmo intacto, a insana "I Kill Children" é outro deleite que se destaca muito na obra, deixando o ouvinte atônito com seu ritmo empolgante e irreverente. Sua letra é cantada em primeira pessoa, nos apresentando a visão de um assassino de crianças sem nome. A composição faz paródia com as obsessões gêmeas dos Estados Unidos com extrema violência e conservadorismo. Jello Biafra declarou certa vez que escreveu a música quando ele tinha apenas 18 anos, refletindo sobre o por que certas pessoas se tornam assassinas em série e, por mais incrível que possa parecer, a considera uma de suas músicas mais fracas. Seja como for, não deixa de ser uma música em tanto. 

Mantendo o mesmo nível, "Stealing Peoples' Mail" também nos presenteia com um arranjos estupidamente divertidos e que nos fisgam com uma facilidade incrível. "Funland at the Beach", a décima primeira faixa, traz um andamento mais cadenciado, porém igualmente agradável. Trazendo arranjos estranhos e inusitados, "Ill in the Head" é uma composição que se destaca justamente pela inserção desses elementos pouco convencionais, que acabam por chamar a atenção dos ouvintes de uma forma ou de outra.


Outro grande clássico do Dead Kennedys vem a seguir: "Holiday in Cambodia"! Originalmente gravada como o segundo single do grupo, a canção ganhou uma nova versão nesse primeiro álbum de estúdio, mais longa e com a inclusão de novos elementos, como uma introdução mais longa e influenciada por Surf Music, além de uma ponte extendida e um solo de guitarra. Sua letra também é bem interessante, retratando um ataque a um estudante americano estereotipado, moralizante e privilegiado. Ela oferece uma percepção debochada de jovens, bem-sucedidos e americanos auto-justos, contrapondo esse estilo de vida com a ditadura genocida do Khmer Vermelho, liderada por Pol Pot - retratada na capa do single original e mencionada nas letras, que se acredita ter sido responsável pelas mortes de cerca de dois milhões de pessoas no Camboja entre os anos de 1975 e 1979. 

Tal como "California Über Alles", o início dessa composição é progressivo e passados alguns segundos, somos conduzidos a uma experiência musical genuinamente cativante, com arranjos novamente poderosos e que assimilam exatamente o que a música se propõe a transmitir. Curiosamente, em outubro de 1998, Jello Biafra foi processado pelos antigos membros da Dead Kennedys. Segundo Biafra, o processo foi resultado de sua recusa em permitir que "Holiday in Cambodia" fosse usada em um comercial para Levi's Dockers. O vocalista perdeu o processo e como é proprietário do selo Alternative Tentacles, foi condenado a pagar 200.000 dólares em danos aos outros membros da banda. Controvérsias a parte, não há como negar a importância dessa grande composição. Outro clássico essencial!

Encerrando esse majestoso trabalho, temos uma divertida versão para "Viva Las Vegas", música escrita em 1963 por Doc Pomus e Mort Shuman e gravada no mesmo ano por Elvis Presley para seu filme homônimo. Embora Presley nunca tenha cantado a canção ao vivo, ela se tornou conhecida e ganhou diversas releituras através dos mais diferentes artistas. A versão gravada pelo Dead Kennedys possui uma abordagem diferente, como já era de se imaginar, trazendo um tempo ligeiramente mais rápido, porém mantendo a estrutura melódica da canção original. Biafra também fez algumas alterações na letra, inserindo sátiras no segundo e terceiro versos, mencionando um jogador usando anfetamina e cocaína para não "dormir um minuto sequer". Encerrar o disco com essa releitura foi uma brilhante sacada.


Não há muito o que se dizer! Quase quatro décadas após o seu lançamento e "Fresh Fruit for Rotting Vegetables" continua sendo uma obra atemporal! Jello Biafra e cia. criaram um registro que transcende gerações e permanece impecável em todos os quesitos. Um item obrigatório na coleção de todo apreciador de Hardcore/Punk que se preze e que merece ser ouvido sem qualquer moderação de tempos em tempos!

♫ "Now it is 1984
Knock, knock at your front door
It's the suede denim secret police
They have come for your uncool niece
Come quietly to the camp
You'd look nice as a drawstring lamp
Don't you worry, it's only a shower
For your clothes here's a pretty flower
Die on organic poison gas
Serpent's egg's already hatched
You will croak, you little clown
When you mess with President Brown
When you mess with President Brown

California über alles
California über alles
Über alles California
Über alles California" ♫

Integrantes:

Jello Biafra (vocal)
East Bay Ray (guitarra)
Klaus Flouride (baixo/vocal de apoio)
Ted (bateria)

Faixas:

1. Kill the Poor
2. Forward to Death
3. When Ya Get Drafted
4. Let's Lynch the Landlord
5. Drug Me
6. Your Emotions
7. Chemical Warfare
8. California Über Alles
9. I Kill Children
10. Stealing Peoples' Mail
11. Funland at the Beach
12. Ill in the Head
13. Holiday in Cambodia
14. Viva Las Vegas

Redigido por David "Fanfarrão" Torres

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