Liberation Festival (2017)

Mundo Metal [ Live Review ]



Em dezembro do ano passado, os fãs de Heavy Metal foram pegos de surpresa quando a produtora Liberation Music Company anunciou um festival que leva seu nome, na casa de shows Espaço das Américas, localizada na região da Barra Funda, em São Paulo. O motivo de tal alvoroço é que o tal festival, que comemora o 25º aniversário da produtora, contou com ninguém mais ninguém menos do que o célebre músico dinamarquês King Diamond e sua banda como atração headliner. Quase vinte anos depois de sua última passagem em solo brasileiro, em 1999, a banda retornou ao Brasil para essa única e tão aguardada apresentação, que ainda contou com outras atrações de peso em seu line up, as bandas Test (São Paulo), Heaven Shall Burn (Alemanha), Carcass (Reino Unido) e Lamb of God (Estados Unidos). E como foi esse evento tão aguardado por muitos, afinal? Pois bem, falemos sobre isso nas próximas linhas...

A abertura da casa ocorreu por volta das 16h e muito cedo já era possível ver uma legião de headbangers em frente ao local. Destaque para os muitos fãs de King Diamond caracterizados com seus característicos corpse paint. Como já era de se esperar, a produtora disponibilizou o seu merchandising oficial, o que culminou em uma enorme fila de pessoas que desejavam adquirir itens como camisetas das bandas do festival a copos personalizados, esses, diga-se de passagem, muito procurados por uma grande quantidade dos presentes. O duo de Grindcore paulistano Test foi a primeira atração do evento e iniciaram sua curta e devastadora apresentação às 17h30. A dupla promove o seu segundo álbum de estúdio, “Espécies” (2015) e por mais que o público ainda não estivesse muito expressivo, não há como negar que João Kombi (vocal/guitarra) e Barata (bateria) realizaram uma apresentação excepcionalmente brutal.

Por sua vez, às 18h10 é a vez da apresentação dos alemães do Heaven Shall Burn se iniciar. Algo que creio que seja importante de ser mencionado é o fato de muitos headbangers terem despejados diversas críticas negativas a banda assim que a mesma foi confirmada no cast do festival. Muitos sequer conheciam o seu trabalho e sua proposta musical e saíram detonando o grupo sem mais nem menos. Puro preconceito infantil e desnecessário! Ainda que a banda possua sim uma proposta mais “modernosa”, digamos assim, são músicos extremamente competentes e realizam uma fusão bem coerente de Metalcore e Melodic Death Metal. Sendo assim, vamos ao que interessa que é a apresentação da banda em si.

O quinteto formado por Marcus Bischoff (vocal), Maik Weichert (guitarra), Alexander Dietz (guitarra), Eric Bischoff (baixo) e Christian Bass (bateria) sobe ao palco e então, uma introdução de piano surge dos P.A.’s. O energético frontman Marcus Bischoff solta um “Are you ready?”, em alto e bom som, dando lugar a primeira música do setlist “The Loss of Fury”, a faixa de abertura do mais recente trabalho dos germânicos, “Wanderer” (2016). O repertório oferecido pelos músicos prosseguiu com “Bring the War Home”, a segunda faixa de “Wanderer”. Marcus agradece a todos e sem perder tempo, já mandam “Voice of the Voiceless”, do álbum “Antigone” (2006), além de “Corium”, outra composição recente da banda. O grupo faz outra pequena pausa e seu vocalista novamente profere agradecimentos ao público e menciona que é um prazer tocar ao lado de grandes bandas, como Carcass, Lamb of God e claro, King Diamond. O restante da apresentação foi composta por “The Weapon They Fear”, “Combat”, “Awoken (Intro”), “Endzeit”, “Counterweight” e “Black Tears”, cover do Edge of Sanity, que encerrou a performance da banda de forma bastante totalmente satisfatória. Uma apresentação muito profissional e poderosa! 

Exatamente uma hora após a apresentação do Heaven Shall Burn, às 19h10 tem início uma das atrações mais aguardadas do festival: Carcass! Certamente, a banda é uma das mais aclamadas do Metal Extremo mundial e levando em consideração que sua última passagem por terras brasileiras foi em 2013, todos os seus fãs estavam muito ansiosos pelo show dessa lenda. A hipnótica introdução “1985”, do mais recente álbum dos ingleses, o excepcional “Surgical Steel” (2013), ecoa e então, Jeff Walker (vocal/baixo), Bill Steer (guitarra/vocal de apoio), Ben Ash (guitarra) e Daniel Wilding (bateria) sobem ao palco, tocando a potente “316L Grade Surgical Steel”, uma das faixas do já mencionado último álbum. As clássicas “Buried Dreams”, de “Heartwork” (1993) e “Incarnated Solvent Abuse”, de “Necroticism - Descanting the Insalubrious” (1991) fizeram a casa vir abaixo, como já era de se esperar. Também representantes do idolatrado álbum “Heartwork”, a paulada “Carnal Forge” e a cadenciada “No Love Lost” foram executadas na sequência, com muito vigor e feeling, diga-se de passagem. 

O frontman Jeff Walker agradece a todos e sem perder tempo, emendam com outro petardo de “Surgical Steel”, a espetacular “Unfit for Human Consumption”, seguida de um pequeno trecho instrumental de “A Congealed Clot of Blood”, outra faixa do mesmo disco. Explorando ainda mais as composições de seu último álbum, o quarteto deu sequência a apresentação com a devastadora “Cadaver Pouch Conveyor System”, que fez os apaixonados por moshpit se acabarem na roda. A destruição continuou com a igualmente empolgante “Captive Bolt Pistol”. Em um determinado momento, a banda fez uma pequena pausa durante a performance da música e Jeff Walker perguntou se por acaso havia alguém do Chile e da Argentina e em seguida mencionou que essa composição era dedicada a eles e em seguida continuaram a tocá-la.

Walker pergunta se os presentes estavam ansiosos pela grande atração da noite, King Diamond e logo após comenta que possuem mais vinte minutos de show. Vinte minutos que foram muito bem aproveitados, por sinal! A intro de “Edge of Darkness” é emendada com a poderosa “This Mortal Coil”. Durante o momento mais ameno da música, Jeff pede para o público bater palmas, algo que proporcionou um clima bem interessante e até inusitado, levando em consideração que se trata de uma apresentação de Metal Extremo. O lado mais pútrido e vil dos ingleses veio com a execução de dois clássicos emblemáticos de sua fase Goregrind: “Exhume to Consume” e “Reek of Putrefaction”, do visceral “Symphonies of Sickness” (1989). O moshpit comeu solto nessa hora e quem não estava na roda, “bangueou” e agitou sem dó da mesma forma. 

Sabe aquela apresentação da qual pensamos que não dá pra melhorar e de repente somos surpreendidos? Pois é, essa é uma delas. O ultra clássico “Corporal Jigsore Quandary” surge na sequência, levando todos os fãs da banda a um frenesi infernal e então, chega a hora do gran finale, que não poderia ser outro se não um dos maiores hinos da banda e do Metal Extremo mundial: “Heartwork”, a emblemática composição do clássico álbum homônimo de 1993. A apresentação se encerrou com seu frontman agradecendo novamente a todos e com a banda toda tocando um curto trecho de “Carneous Cacoffiny”, faixa de seu terceiro e igualmente clássico álbum “Necroticism - Descanting the Insalubrious”. Em poucas palavras, o show da banda foi uma aula maravilhosa de Metal Extremo. Que não demorem a retornar a nosso país!

Inicialmente programado para as 20h30, a apresentação dos estadunidenses do Lamb of God tem início após um atraso de apenas dez minutos e começa de forma empolgante e intensa com “Laid to Rest”, faixa de abertura de “Ashes of the Wake” (2004). Randy Blythe (vocal), Willie Adler (guitarra), Mark Morton (guitarra), John Campbell (baixo) e Chris Adler (bateria) botam os seus fãs para agitar e quebrar tudo com uma facilidade incrível. A banda é uma das mais aclamadas da atualidade dentro da vertente Groove Metal/Metalcore e sua última passagem pelo Brasil ocorreu em 2015, no palco Sunset do Rock in Rio, portanto, o seu retorno foi muito aguardado pelos apreciadores do grupo, em especial por aqueles que ainda não tiveram o privilégio de vê-los ao vivo.

Representando o álbum “As the Palaces Burn” (2003), “Ruin” foi a segunda música a ser tocada, novamente recebida de braços abertos por muitos. Há uma breve pausa e o frontman Randy Blythe agradece a todos e anuncia que tocarão uma composição de seu mais recente álbum “VII: Sturm und Drang” (2015), a ótima “512”, que fez muitos “banguearem” e cantarem sua letra. Diretamente do disco “Resolution” (2012), “Desolation” deu continuidade a apresentação com muita força e energia. O inquieto vocalista agradece a todas as bandas do festival e em seguida anuncia o próximo som, “Walk with Me in Hell”, de “Sacrament” (2006). Novamente, a destruição e o caos tomaram conta da pista. A recente e não menos poderosa “Still Echoes” foi tocada logo após, sem deixar os fãs respirarem. 

Depois de outro pequeno discurso de Blythe, o vocalista anuncia a música seguinte: “Now You've Got Something to Die For”, pedrada que sempre figura nos shows da banda e fez com que os fãs agitassem constantemente, “bangueando” e promovendo moshpit na pista. A pancadaria continuou com “Hourglass”, outra faixa de “Ashes of the Wake”, “Ghost Walking”, hit de “Resolution” e outra composição do novo álbum, “Engage The Fear Machine”. Randy faz um discurso em tom cômico a respeito de King Diamond, questionando a todos “Vocês gostam de Satã?” e emendando com “Eu adoro a porra do diabo!”. Após a brincadeira, a banda emenda com a clássica “The Faded Line”, com direito ao vocalista gritando um hilário “Sataaaaan!!!” bem no começo da música, arrancando gargalhadas dos fãs da banda. O final da apresentação ficou a cargo de “Blacken The Cursed Sun” e “Redneck”, ambas de “Sacrament”. Nessa última música, Blythe pediu por um circle pit e claro, foi prontamente atendido por um grupo de ensandecidos fãs. Pra variar, mais uma performance irrepreensível e repleta de energia.

Durante a apresentação do Lamb of God, era extremamente nítida a impaciência de quem não era fã da banda para que o show terminasse logo e a apresentação do King Diamond tivesse início. Aliás, vale mencionar que em um determinado antes do show dos estadunidenses ter início, foi possível ver um pouco do magnífico palco da apresentação de Diamond atrás do backdrop do Lamb of God. Isso sem sombra de dúvida aumentou a ansiedade dos fãs e então, após uma demora considerável, pouco mais de 22h da noite era possível ouvir a música “The Wizard”, de Uriah Heep ecoar pelos P.A.’s, preparando o clima atmosférico exigido para uma apresentação do porte da que estava para começar...

Eis então que tem início a climática e soturna introdução “Out from the Asylum”. Diversos celulares estavam em punho nesse momento, registrando cada nuance daquele tão aguardado momento. Assim que a introdução se cessa, uma performance explosiva tem início e o Espaço das Américas literalmente vem abaixo!  Ao som da magistral “Welcome Home”, do clássico álbum “Them” (1988), um legítimo espetáculo teatral e hipnótico teve início, com luzes por todos os lados e um palco capaz de impressionar qualquer um. Quando o inconfundível vocalista King Diamond entrou em cena, então, parecia uma miragem! Muitos sequer acreditavam que estavam ali, assistindo um dos shows de Heavy Metal mais aguardados em muitos anos. A performance do lendário vocalista e da  personagem Grandma no palco foi algo sobrenatural de se ver. E falando em sobrenatural, o que dizer a respeito do desempenho assustador de Diamond? Como continua cantando horrores o baixinho!

O espetáculo continuou com “Sleepless Nights”, uma das canções mais marcantes de “Conspiracy” (1989). Os músicos, então, realizam uma breve pausa, na qual King Diamond dá um “Boa noite, São Paulo!” em alto e bom som e claro, é prontamente respondido por todos os presentes. Após trocar algumas palavras com o público, o frontman dinamarquês apresenta os integrantes da banda e membros adicionais que colaboram com a performance ao vivo: Jodi Cachia (performance de Grandma e de várias personagens), Hel Pyre (vocal de apoio), Mike Wead (guitarra), Pontus Egberg (baixo), Matt Thompson (bateria) e claro, o espetacular guitarrista Andy LaRocque, que foi aplaudido e ovacionado por todos instantaneamente e emendando com os primeiros riffs do gigantesco clássico “Halloween”, da obra prima “Fatal Portrait” (1986), o álbum de estreia da carreira solo de King Diamond. Depois de agradecer novamente ao público, o carismático vocalista oferece a todos a faixa de abertura de “The Eye” (1990), “Eye of the Witch”, outro grande clássico que é recebido com muito gosto por cada um dos presentes. 

Eis então que, após tocarem grandes hinos de sua carreira solo, King Diamond e Cia. nos presenteiam com a execução avassaladora de dois hinos dos tempos de Mercyful Fate: “Melissa”, do clássico álbum homônimo de 1983 e “Come to the Sabbath”, do igualmente clássico “Don’t Break the Oath” (1984). Não há muito que dizer! Quando esses dois petardos foram tocados a comoção de todos ficou mais explícita do que nunca, com todos os fãs cantando as letras a plenos pulmões, agitando e apreciando cada fração de segundo da mágica performance da banda. Destaque absoluto para o enorme pentagrama surgido durante a execução da poderosíssima “Come to the Sabbath”. Simplesmente não há palavras que descrevam a atmosfera que pairou no local. 

Novamente, o palco é alterado e a instrumental “Them”, do álbum homônimo ecoa pelos P.A’s, emendada com a clássica introdução “Funeral”. É hora do clássico álbum “Abigail” (1987) ser tocado na íntegra! Esse grande álbum de Heavy Metal completará em outubro desse ano três décadas de existência e uma palavra define a sua execução por terras brasileiras: perfeição! Ao mesmo tempo em que a introdução é tocada, duas figuras encapuzadas trazem um caixão contendo uma pequena boneca, que faz menção à criança natimorta  da história do álbum. De repente, o frontman pega uma adaga e crava a lâmina na boca da boneca, levantando-a sobre sua cabeça e simula beber seu sangue. O marcante e épico riff de “The Arrival”, a faixa de aberta do álbum, entra em cena, enlouquecendo ainda mais cada um dos presentes. 

Por sinal, se o público já estava em um delírio surreal, isso apenas aumentou quando a banda prosseguiu a apresentação com a aclamada “A Mansion in Darkness”. Seus arranjos empolgantes não deixaram pedra sobre pedra e durante a performance da canção, a artista estadunidense Jodi Cachia, que no início do show já havia interpretado a personagem de Grandma, dá as caras no alto do palco trajando um vestido branco e carregando um candelabro em uma de suas mãos. Para quem não sabe, Jodi é muito conhecida por suas performances nos shows da banda e ao longo da apresentação, fez diversas aparições, evidentemente.

Logo em seguida, outro grande destaque do disco é tocado, “The Family Ghost”. A teatralidade da apresentação continua envolvente e deslumbrante, com Jodi interpretando que estava grávida e caindo no final da escadaria do palco. Os belíssimos dedilhados de “The 7th Day of July 1777” marcam o início de outra grande composição da obra oitentista. Se o clima da apresentação permanecia repleto de muita teatralidade e atmosfera? Mas é claro que sim e assim permaneceu até o final.

Igualmente poderosa, “Omens” conta com mais um desempenho irrepreensível de todos que estavam no palco, doses cavalares dos agudos sempre surpreendentes de King e claro, uma espetáculo visual majestoso e realmente indescritível. “The Possession”, como já era de se esperar, contou com Jodi interpretando uma possessão demoníaca e durante a execução da faixa título, “Abigail”, entregou um desempenho performático completamente insano e fascinante. A última faixa do álbum, a épica “Black Horsemen”, anunciou o final dessa grandiosa apresentação de forma brilhante, com mais atmosfera e performances teatrais. Jodi emerge no alto da escadaria, agora com um vestido preto, simulando estar grávida novamente. De repente, ela interpreta ter dado luz ao bebê e o arremessa no chão. Eis que duas figuras encapuzadas aparecem no palco e o levam embora. 

O show se encerra com uma das faixas de “The Eye”, “Insanity”, rolando nos P.A.s. A banda e seus membros adicionais se reúnem ao meio do palco e são aplaudidos por todos. King Diamond ainda fica no palco durante alguns minutos, fazendo sinais de agradecimento a muitos dos presentes, além do icônico gesto do horns up para muitos dos que estavam ali. Ao término de uma apresentação dessa magnitude, todos se perguntavam se o que haviam assistido realmente havia acontecido. Uma apresentação que certamente entrou para a história e que com certeza será comentada por muitos fãs durante muito tempo. 

Por fim, após o encerramento de um festival tão diversificado e organizado como esse, simplesmente cabe a nós agradecermos a produtora Liberation Music Company e ao Espaço das Américas por tamanho entretenimento de qualidade que proporcionaram. Tudo foi concebido com muita competência e profissionalismo e que esse tipo de iniciativa sirva de inspiração a muitas outras produtoras de shows.


Redigido por David Torres

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