Underground: os fatores que impedem o Metal nacional de crescer


Há uns dois ou três anos atrás escrevi esse texto, porém tudo continua exatamente igual e resolvi dar uma pequena repaginada no mesmo e republicar. Na época, o blog não existia, a página do Facebook estava apenas começando e este "desabafo" foi pouco lido, creio que é hora de levantar estes temas mais uma vez, porém agora, com um pouco mais de força.

Espero que gostem e se possível, compartilhem. A cena nacional precisa que esta discussão vá além e principalmente, que alguma mudança aconteça!

Boa leitura.

O underground...

Este é um tema muito abordado, muitos conhecem exatamente o que acontece nos porões mais escuros, nos bastidores de nossa cena, mas por motivos diferentes preferem não se envolver, não opinar e desta forma, não fazer inimizades. Há quem trate do assunto com desprezo e outros, simplesmente preferem colocar uma venda nos olhos e defender a cena cegamente, sem observar com a atenção devida, os defeitos, as falhas  e os pontos cruciais que fazem com que o crescimento se distancie cada vez mais.

Todos sabem que o Metal nacional caminha de forma muito mais lenta e amadora do que deveria, nos deparamos, dia após dia, com bandas de qualidade acima da média, trabalhos realmente bons e originais, nossas bandas despertam o interesse internacional não é de hoje, e mesmo muito longe de explorarmos de forma eficaz o talento de nossos músicos, somos reconhecidamente um grande celeiro grupos.

Existem diversos fatores que fazem com que as bandas brasileiras encontrem uma infinidade de obstáculos para se firmarem e conseguirem viver de seu trabalho com a música. Vamos aqui dar nome aos bois e tentar desmistificar o tema. A principal dificuldade encontrada é o fato de que tudo deve partir de uma conscientização coletiva, o que não é nada fácil, já que muitas das pessoas envolvidas no meio underground, pensam que são a personificação da cena, possuem ideias pra lá de batidas e caricatas quanto ao seu funcionamento e geralmente, essas são as pessoas que possuem certo poder e influência sobre os mecanismos que fazem as engrenagens do Metal nacional "funcionar".

Devido a isso, muitos que possuem novas opiniões, novas visões e novas idéias, não gostam da premissa de confrontar toda uma estrutura montada há anos, repleta de panelas e "leis headbangers", e acabam se afastando ou se abstendo, determinando que tudo continue exatamente da mesma maneira.


Um ponto essencial em nossa reflexão e uma das principais causas para que nossa cena permaneça na obscuridade é a atitude de seus maiores beneficiários: o público. É isso mesmo! Você que está lendo é provavelmente, um dos maiores responsáveis (senão o maior) para que as bandas brasileiras não cresçam.

Não se preocupe, não vou começar aquele papo manjado de que "paga 300 pra ir num show gringo e não paga 20 pra ver o amigo tocar". Isso é uma imbecilidade sem tamanho e vou esclarecer o por que, porém mais adiante, então voltando ao público... bem, este de forma generalizada, não possui interesse em ouvir novas bandas, são detentores da velha "síndrome de vira latas" e basta saber que uma banda apresentada é brasileira e pronto, a desconfiança e a má vontade se encarregam de desmerecer excelentes trabalhos, muitas vezes melhores que os endeusados lançamentos de grupos internacionais.

Prestigiar eventos? Esqueça! Não comparecem e quando o fazem, não adquirem material, não consomem no local e acabam sendo estas pessoas, as que mais reclamam do mau funcionamento e precariedade dos shows. Neste ponto devo ser justo e deixar bem especificado que existem os que não fazem parte dessa imensa maioria, mas por serem um número bem reduzido, não conseguem promover uma melhora acentuada na situação. Além disso, cada indivíduo deve ter a liberdade para agir da forma que achar correto e não devemos ser adeptos ao apoio incondicional da cena.

Da mesma forma que existem centenas de bandas de alto nível, existe um número muitas vezes maior de grupos totalmente despreparados e ruins. Iniciantes que deveriam estar estudando os seus respectivos instrumentos, mas colocam a sua vontade de tocar na frente da sua real capacidade, isso sem mencionar as bandas, que apesar do evidente amor pela música, não carecem do talento necessário para agradar o cada vez mais exigente público do Metal e assim, prejudicam as bandas que trabalham de maneira profissional.


Tendo esta ideia em mente, separamos o joio do trigo e é óbvio que não devemos perder o nosso tempo e nem gastar o nosso dinheiro com bandas que não agradam os nossos ouvidos, afinal isso não é apoiar, é ser burro. É aí que entra a famosa frase que virou mania e slogan maior do apoiadores cegos: "paga 300 pra ir num show gringo e não paga 20 pra ver o amigo tocar". Para os adeptos desta frase, minha resposta é a seguinte: se a banda do amigo for ruim, não vou querer ver nem de graça, a música precisa ser boa, agradar, Metal não deve ser julgado pela nacionalidade e sim pela qualidade. Se queremos ajudar as bandas brasileiras, que tal começar pelas boas? Elas merecem o nosso reconhecimento, esforço e afirmo com muita convicção, não são poucas, são muitas, centenas... e o apoio que recebem é absolutamente irrisório.

Chegando ao entendimento de que existem ótimos trabalhos sendo lançados e muitas revelações surgindo, temos a função de apontar as demais causas que enfraquecem nosso Underground. Obviamente, o público não é o único culpado, muito menos a quantidade de bandas ruins ou os conceitos errôneos de apoio irrestrito. Outros fatores ainda impedem que aconteça uma maior exposição das bandas e que estas tenham um futuro onde não precisem tocar a troco de migalhas e para um público não consumista.


Um dos fatores que mais afasta as pessoas são as casas de show e eventos em locais isolados, sem uma infra estrutura no mínimo aceitável para abrigar o público de forma decente. Como exigir a presença de muita gente se não não existe formas de garantir um bom evento? Como levar parentes e amigos a locais onde nem a higiene básica é mantida? Muitas casas de show são uma verdadeira vergonha e nem deveriam estar em funcionamento. 

Para o grande entristecimento dos que gostariam de ver uma cena Metal mais forte, a maioria dos locais que preenchem de forma satisfatória a acomodação de um evento, acabam optando por realizar shows de bandas cover. Isso só ocorre pela lei da oferta e procura e a maioria dos ditos “headbangers” de hoje, pagam pra ver uma cover mal feito e muitas vezes não comparecem em um evento quase gratuito de bandas autorais muito boas. Essa atitude gera um efeito direto, os músicos precisam pagar as suas contas e acabam preferindo fixar-se no que é garantido. Tocar covers pode atrapalhar as bandas autorais que lutam por um espaço, mas garante aos músicos seu sustento. Se não houvesse procura por tais shows o espaço seria melhor aproveitado e teríamos bandas melhor amparadas e tocando músicas autorais nestes locais.

Contudo, é difícil embutir este pensamento em pessoas que passaram a vida toda condicionadas a esta situação, que não se permitem escutar e dar atenção ao novo e escutam as mesmas 15 bandas previsíveis de sempre.


Neste cenário exposto, as bandas acabam se tornando verdadeiras sobreviventes. Enfrentam um público desinteressado, casas de shows que devem e muito na infra estrutura, dividem espaço com grupos cover e ainda precisam lidar com organizadores de eventos que visam apenas o próprio lucro e tratam a profissão de músico com total descaso, criando "eventos" onde não existe cachês ou o mesmo é pago com meia dúzia de cervejas.

Quem tem contatos no meio, frequenta os eventos ou possui amigos músicos, certamente já ouviu tais  histórias sobre propostas indecentes, cachês não pagos, bandas sendo responsabilizadas pelo fracasso de shows e cretinices maiores. Um padrão que vem sendo adotado e que não passa de uma brincadeira de mal gosto, é o da banda contratada ser a total responsável pelo bom andamento e sucesso do evento, as casas de show e produtores envolvidos simplesmente se abstém de suas responsabilidades e deixam toda a divulgação por conta do contratado.

Hoje, a moda do momento são as votações, onde os grupos realizam toda a divulgação do evento de forma gratuita e muitas vezes, quem vai tocar já foi escolhido desde o início e o sistema de votos serviu apenas para que o show fosse divulgado. Quem quer contratar, contrata pela qualidade musical e não por causa de votações, parem e pensem, quem tem que fazer pesquisa de mercado são os idealizadores do evento. Os músicos precisam ser competentes, talentosos e tocar, não ficar se desvalorizando, pedindo votos para pessoas que nem conhecem e realizar o trabalho que os promotores deveriam estar fazendo...

Um último fator não menos importante deve ser mencionado, em pleno século XXI e na era da internet, é um absurdo ver bandas que não possuam uma divulgação eficiente ou simplesmente, divulgação alguma. Existem muitas maneiras de adentrar na mídia e devemos partir da velha máxima de que "quem não é visto não é lembrado". Existem centenas de sites especializados, blogs, redes sociais, web rádios, revistas e assessorias, prontas para realizar um trabalho de divulgação profissional, não enxergar isso é estar perdido no tempo.


Com todos esses problemas, o Brasil ainda consegue revelar um número exorbitante de bandas e possuir reconhecimento internacional, sendo com muita justiça, considerado um dos maiores celeiros do Mundo desde sempre. Revelando novos talentos e ajudando a chama do Metal a manter-se viva independente das dificuldades impostas. Para finalizar, alguns fatores que podem fazer a diferença:

Bandas e músicos: se profissionalizem, se esforcem, dominem os seus instrumentos, não aceitem migalhas e exijam tratamento digno. Com tudo isso em mente, tenham consciência de que quando se exige, deve-se estar preparado para receber uma maior cobrança também, portanto estejam preparados para críticas.

Casas de Show: bandas não são pagas com consumação, cachês combinados e acordados devem ser pagos independente do evento ter sido um sucesso ou um fiasco, acordos e acertos devem ser cumpridos. Estrutura do ambiente de show é problema da casa, venda de ingressos é problema da casa e divulgação do show não é trabalho da banda, que pode e deve ajudar, mas nunca ser responsabilizada por isso.

Headbangers: apoiem, compareçam, comprem material e ajudem na divulgação das bandas que consideram relevantes e dignas de sua atenção. Em outras palavras, saiam um pouco de sua zona de conforto e ajude a mudar o que não te agrada. Reclamações vazias não levam a nada.

Se todos nos conscientizarmos de que fazendo apenas um pouco, poderíamos melhorar de forma exorbitante a forma como o Metal é tratado em nosso país. Não seríamos apenas um dos grandes celeiros de bandas do mundo, seríamos o maior. Reflitam!

por Fabio Reis

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